quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Artigo: "Quando nós tocamos o corpo do bebê"

Segue abaixo uma pérola da internet. Esse texto foi escrito pela Associação  Pikler-Lóczy da França e foi publicado na revista Spirale 3/2008 (n˚47) p. 203-209.

 Não sabemos quem fez a tradução, nem quem disponibilizou o artigo na internet, mas agradecemos desde já o esforço!

A associação Pikler Lóczy da França propõe uma reflexão sobre a criança que se apoia sobre os trabalhos de Emmi Pikler, pediatra, e sobre a experiência de Lóczy, berçário que fundou em 1946, em Budapeste, na Hungria, nos propõe textos fundamentais e contemporâneos, para aprofundar a visão atual sobre o bebê e as crianças jovens , e promover as idéias piklerianas. Foi Judit Falk, pediatra e ex-diretora do Instituto Pikler que inaugurou a Spirale.



Quando nós tocamos o corpo do bebê...
Associação Pikler Lóczy da França por uma reflexão

Às vezes educadores, psicólogos, pedagogos parecem se esquecer que a criança tem um corpo e não ‘pensa’ senão com suas emoções, suas relações interpessoais, suas capacidades e aquisições motoras e cognitivas (relativas ao que ela sabe ou ao que ainda não sabe).
Quanto aos pediatras interessados nas etapas do desenvolvimento da criança, eles estudaram essencialmente o desenvolvimento somático e negligenciaram o psiquismo. Hoje, numerosos pediatras procuram considerar, ter em conta, corpo e psiquismo quando tratam, por exemplo, certos problemas alimentares, a asma, etc... refletindo notadamente em termos de doenças psicossomáticas.
   Além disso, mais e mais psicólogos, pedagogos e educadores consideram que o bem-estar físico, que depende de inúmeros pequenos detalhes, é uma condição fundamental ao exercício de funções propriamente psíquicas.
 Entretanto, ainda prevalece um enfoque das necessidades do bebê como puramente psicológicas e dos cuidados corporais como puramente sanitários. Porém, nesta idade, o fisiológico e o psicológico não estão ainda distintos ou somente começam a sê-lo.  De fato, essas necessidades e a sua satisfação situam-se dentro de um campo psicológico complexo. O potencial inato da criança comporta uma tendência ao crescimento e ao desenvolvimento, mas o crescimento não poderá existir senão sob certas condições, sobretudo de cuidados de boa qualidade, durante todo o desenvolvimento.
 Por cuidados de boa qualidade se entende não somente os cuidados corporais executados pelo adulto, mas também a atenção que este dá às condições do meio (do ambiente), à necessidade de segurança afetiva e de atividades do bebê e às modificações do meio ambiente (do entorno), que devem também evoluir, modificar-se, em função do desenvolvimento do bebê. Esses cuidados de boa qualidade favorecem a tendência inata da criança a conhecer e habitar seu corpo, a ter prazer, a obter conhecimentos a partir de suas funções corporais e a aceitar os limites impostos por sua pele, segundo os termos de Winnicott, “esta membrana que separa o ‘eu’ do ‘não eu’”.
A noção do corpo próprio se constitui progressivamente desde o início da vida, dentro de um processo de desenvolvimento complexo. Segundo Wallon, ela precede os outros processos da psicogênese, pois não há o que esteja, como ela, mais imediatamente na confluência das necessidades interoceptivas e das relações com o mundo exterior, nem mais indispensáveis aos progressos futuros da consciência.
A criança pequena, desde o nascimento, consegue conhecer seu corpo essencialmente de duas maneiras: através de tudo o que se passa com seu corpo, quer dizer, pela atividade de seu próprio corpo, e por tudo que é feito com seu corpo e para seu corpo quando é pego, carregado, alimentado e lhe são dados outros cuidados corporais.
A visão e as experiências dos corpos dos outros, além de outros fatores, interferem igualmente nessa descoberta,  mas as experiências adquiridas graças ao próprio corpo nos parecem primordiais.
9 Esses dois aspectos, aquilo que ele faz e aquilo que é feito com (e a) seu corpo são interdependentes, dificilmente dissociáveis. Mas este artigo só se ocupará do segundo aspecto, quer dizer, daquilo que acontece ao corpo de uma criança pequena, visto que consideramos ter importância primordial os cuidados corporais e em tudo o que se passa entre a criança e o adulto, durante os cuidados.
10 Todos aqueles que conhecem um pouco o trabalho de nosso instituto já sabem que nós consideramos os momentos dos cuidados corporais como os mais importantes e os mais íntimos da interação adulto-criança.
11 Nós pensamos que o bebê, na medida em que ele teve um momento de intensa segurança durante os cuidados, pode em seguida aproveitar as possibilidades de atividade nas quais o adulto não intervém diretamente, e se voltar com interesse e alegria para o mundo exterior.

QUALIDADE E EFEITOS DOS <<BONS CUIDADOS>>
O bebê irá se conhecer e conhecer o adulto durante esses cuidados, até a satisfação de suas necessidades corporais. No início, o bebê sente estas necessidades apenas como uma forma desagradável de tensões indefinidas e de sofrimento. Ele ainda não “sabe” que tem fome, que tem sede, que tem calor ou frio, ou que alguma coisa lhe faz mal. Em seguida da satisfação de suas necessidades, ou mais exatamente em seguida à maneira com que o adulto põe fim às suas tensões, o bebê aprende a sinalizar, e depois a reconhecer estas necessidades, e, finalmente, a exprimir ele mesmo, de maneira cada vez mais cheia de nuances, suas necessidades, suas próprias exigências, por relacioná-las com sua satisfação, e depois da satisfação, com o sentimento de contentamento.
13 Para fazer uma descrição simples desse processo de aprendizagem, pode-se dizer que a criança aprende a exprimir suas necessidades por que ela teve experiências repetidas em que o adulto a  livrou de suas sensações desagradáveis, pois reconheceu os sinais emitidos pela criança e respondeu adequadamente.
14 Essas experiências levam a criança a associar a cessação de suas tensões, da fome, da sede, do frio, etc.., aos sinais emitidos por ela mesma e ao adulto que responde às suas necessidades. Seu sentimento de segurança psíquica está ligado ao adulto e, também como conseqüência, seu sentimento de segurança afetiva.
15 É pela expressão de suas necessidades, e pela resposta que recebe, que o bebê aprende a perceber qual é a necessidade, quer dizer, que ele tem fome, que tem sede, etc.., e  que ele aprende também que é ele mesmo, sua própria pessoa, quem  tem fome, quem tem sede. Ao mesmo tempo, ele compreende que, embora seja o adulto quem põe fim às suas tensões, ele pode contribuir se der os sinais adequados.
Se, durante os cuidados, o adulto der sem cessar uma atenção particular aos sinais do bebê, e se os levar em consideração para lhe oferecer as refeições, para andar, banhar, vestir ou desvestir, ele cria, desde o início, a possibilidade de que o bebê, por sua vez, “intervenha” no processo dos cuidados e na maneira pelas quais esses cuidados serão satisfeitos, notadamente em relação à duração e ao ritmo da refeição, à quantidade e à temperatura da comida, ao ritmo dos movimentos durante o vestir, o despir, à quantidade e à temperatura da água do banho, etc.
17 Se a criança tiver confiança na possibilidade de influenciar naquilo que ocorre com ela, se puder sentir-se sujeito participante e não objeto manipulado, isso irá reforçar seu sentimento de eficiência e de competência.
Um compartilhamento nas atividades dos dois parceiros, um verdadeiro diálogo ocorrerá durante os cuidados do bebê desde a mais tenra idade, através da via cutânea e cinestésica, se ele não for jamais tratado como um objeto, precioso ou não, mas sim como um ser humano que sente, observa, registra e compreende (ou que compreenderá, se lhe for dada a oportunidade), se as palavras e os gestos não forem simplesmente “gentis”, mas se eles testemunharem a consciência permanente que a criança é sensível a tudo o que lhe acontece e não pode ser manipulada em função do que é cômodo para o adulto.
Graças a esse diálogo, o bebê constrói cada vez mais  maneiras de emitir sinais capazes de influenciar os acontecimentos que lhe concernem. Por sua vez, o adulto descobre, sempre, cada vez mais meios, seja para comunicar sua intenção de uma maneira compreensível à criança, seja para adaptar sua atividade às necessidades expressas pela criança, seja para obter que a criança participe voluntariamente daquilo que lhe é proposto.
20 O desenvolvimento da função de comunicação, assegurado pela atividade comum compartilhada no decorrer dos cuidados, é facilitado pelo fato dos cuidados representarem uma série de ações que se repetem cotidianamente. Eles ocorrem com uma repetição de gestos similares, dentro de uma sucessão idêntica, acompanhados por palavras adequadas, quase que iguais, que sinalizam à criança a continuação previsível dos gestos do adulto e lhe permitem antecipar o gesto e o acontecimento posteriores. Isso a ajuda a não aceitar os cuidados de maneira passiva e, ao contrário, a prepara a ser parte ativa dos acontecimentos.
No decorrer dos cuidados corporais de boa qualidade, a compreensão está sempre presente, além da alegria mútua e de um diálogo corporal que corresponde à necessidade de segurança física da criança. A qualidade dos gestos do adulto tem um profundo impacto sobre o tônus, e pode-se dizer, sobre a “confiança corporal” da criança. A maneira com que o adulto lhe oferece seus gestos e acolhe os dela, lhe sugere que é ouvida e que sua pessoa é apreciada.
Segundo Winnicott, uma das angústias mais primitivas, e muito destrutiva, é a insegurança provocada por uma certa maneira de pegar ou de carregar o bebê. O termo ‘holding’, utilizado por Winnicott, engloba a maneira de carregar fisicamente, mas também tudo o que o entorno (o ambiente externo) lhe fornece ou forneceu anteriormente. Essa noção faz referência a uma relação espacial em três dimensões à qual o tempo se junta progressivamente.
Segurar bem uma criança é protegê-la dos perigos físicos, ter em conta a sensibilidade de sua pele, de sua audição, de sua visão, e de sua sensação de queda pela ação da gravidade. “Segurar” compreende todas as etapas sucessivas de cuidados que se adaptam dia após dia às mudanças da criança decorrentes de seu crescimento. Quando o bebê é levantado, carregado nos braços, colocado sobre os joelhos do adulto, colocado dentro da banheira, posto sobre o trocador ou em seu berço, etc.., deve ser absolutamente preservado da sensação de queda ou de quebra, desagregação e perda de equilíbrio.

IMPOTÂNCIA DA TECNICA DE CUIDADOS
Uma boa técnica de cuidados procura propiciar à criança o sentimento de segurança de ser pega e carregada por mãos firmes e ternas que lhe permita estar em um estado de relaxamento. Isso não significa um estado de hipotonia mas um estado de “relaxamento-tônico”, segundo Agnès Szanto. Para que fique relaxado e tonificado, o bebê deve ser levantado, segurado, carregado ou colocado sempre em uma posição que lhe seja familiar e na qual ele não precise se manter verticalmente.
25De fato, para preservar o bebê da posição vertical, que atrapalha o seu equilíbrio, é necessário levantá-lo, carregá-lo, colocá-lo, virá-lo sempre em posição alongada, de modo que ele não passe, por si só, para a posição vertical. E mais, ele não  deve ser pego ou carregado em uma postura mais desenvolvida do que já adquiriu, se ela não lhe dá ainda uma sensação de completa segurança. Quando ele é pego ou carregado, é necessário sustentá-lo de tal maneira que a maior superfície possível de seu corpo tenha um apoio firme. Quando o recém nascido é levantado ou carregado nos braços, toda a sua coluna vertebral tem necessidade de um apoio sólido e sua cabeça deve estar protegida contra o menor balanço. Ele deve ter a sensação de unidade das diferentes partes de seu corpo.
26No nascimento, o estado natural é aquele de não-integração, mesmo dentro de um clima de bons cuidados, mas estes irão permitir que a integração se estabeleça. O sujeito passa de um esta do não integrado a uma integração estruturada, e nesse estado a criança torna-se capaz de superar a angústia ligada à desintegração. Sem uma qualidade suficiente de cuidados, o jovem ser humano não tem nenhuma chance de ter um desenvolvimento normal. Uma boa técnica de cuidados previne as sensações de desintegração e de perda de contato entre a psique e o soma.
A falta de relação psique-soma engendra uma sensação de despersonalização. Há a necessidade de não mover a criança com gestos precipitados, mas sim procurar um contato visual, um diálogo vigoroso com ela, procurar preveni-la verbalmente de tudo que irá acontecer durante os cuidados, afim de que ela possa se preparar para os acontecimentos e, sobretudo, para qualquer mudança de posição das diferentes partes de seu corpo ou de seu corpo inteiro.
8 O adulto solicita uma participação ativa da criança em tudo o que acontece com ela, dentro de seu nível atual de competências. O adulto espera por alguns instantes os gestos da criança, ainda espontâneos, mais tarde voluntários, antes de executar sua ação com mãos sensíveis e delicadas.

CUIDADOS E ATITUDES PROFUNDAS DO ADULTO

A boa qualidade dos cuidados depende também da atitude autêntica do adulto: seu profundo interesse no bem-estar da criança, por todos os detalhes deste bem-estar, por todas as reações corporais, mímicas, tônicas e vocais do bebê, e sua tomada de consciência da importância dos cuidados e de suas conseqüências imediatas e distantes.
Para que os cuidados respondam às necessidades da criança, é essencial que ela possa sentir que é dela que se ocupam, de sua pessoa inteira, e não somente de seus órgãos, sua pele, suas nádegas, seu pênis ou estômago. Quando se limpam as orelhas ou se passa creme nas nádegas, o olhar direcionado e a palavra que lhe é endereçada exprimem que, se bem que o estado de sua pele, de seus cabelos ou de suas unhas sejam importantes, não somente eles  interessam ao adulto, mas todo o seu bem-estar. Toda a sua pessoa é importante. Durante a refeição, o essencial não é se a quantidade de alimento consumida aumenta ou diminui, mas o importante é que ela, a criança que come, possa sentir o prazer de comer segundo seu apetite, descobrir o prazer dos bons sabores e a satisfação da saciedade.
Parar antes de executar um gesto, para dar à criança o tempo de exprimir aquilo que ela quer, sentir se a criança aceita ou não aquilo que lhe foi proposto, partir dos movimentos da criança para utilizá-los em  tarefas que desejamos realizar, esperar o movimento da criança, permitindo agir  em harmonia com seus movimentos. Nada deve ser imposto: possibilidades são oferecidas, propostas; a criança pode sentir que o adulto fica contente quando ela consegue fazer qualquer coisa, mas que também pode sentir-se aceita e apreciada sem ter feito nenhuma performance espetacular.
32 Nós sabermos que, durante a primeira infância, as necessidades corporais e as respostas a elas desempenham um papel primordial na relação da criança com ela mesma e com seu entorno (ambiente externo); por isso as futuras enfermeiras do Instituto Pikler são iniciadas na observação detalhada e aprendem uma técnica homogênea e coerente para poder propiciar os cuidados fundamentais ao desenvolvimento do bebê.
Nosso protocolo de gestos de cuidados básicos se ajusta às necessidades da criança e visa preservar seu bem-estar. Ele assegura ao adulto a segurança de um saber-fazer, evitando hesitações, improvisações e medo de esquecer alguma coisa importante. Ele dá, também, uma segurança à criança por sua previsibilidade: ele a protege contra os gestos e os acontecimentos imprevistos, mesmo se, dentro da coletividade, forem várias as pessoas que , uma de cada vez, lhe oferecem os cuidados.
34Quando a enfermeira apreende e incorpora este protocolo, ela passa a ter uma participação corporal, gerada pela compreensão da importância da aproximação com o bebê, que lhe permite ser mais atenciosa e disponível aos sinais individuais de cada criança.
Mas tal protocolo de gestos não é suficiente para garantir bons cuidados. Ele comporta, também, alguns riscos. Se a aplicação dos gestos aprendidos não for sustentada por uma atitude atenta, observadora, pessoal e calorosa, pode-se cair facilmente nas armadilhas dos comportamentos vazios, de rotinas caricatas e em treinamentos ou condicionamentos da criança a uma falsa participação. Neste caso, o bebê não experimenta sua competência, a experiência de saber agir com o outro,  mesmo se dá a impressão de cooperar.
Ao contrário, o bebê verdadeiramente participante nos cuidados coopera com a alegria de “eu faço por mim mesmo”. Ele se dá o direito de reagir de maneira adequada às demandas dos adultos, mas também de desviar delas de vez em quando, brincando, se desligando dos cuidados para se ocupar de qualquer outra coisa, de desviar a atenção do adulto para outra coisa. E o adulto que coopera permite esse tipo de manifestação dentro do limite do possível.
37 A saúde mental de um indivíduo se edifica sobre os cuidados infantis cuja importância foi enfatizada. Quando tudo vai bem, os cuidados são a continuação aos aportes psicológicos característicos do período pré-natal, e a criança nem se apercebe se algo lhe é ofertado de modo não tão conveniente, pois está preservada. Mas se houver carência nos cuidados que lhe são dados, a criança se dá conta, não da falta de cuidados, mas do mal estar que isso lhe proporciona.
É necessário evocar um outro aspecto dos cuidados corporais cuja importância é indiscutível, o que diz respeito aos estímulos táteis e de contatos físicos entre a criança e o adulto, suscitados pelos cuidados. Acreditamos frequentemente que esses contatos se limitam a pegar a criança nos braços, sobre os joelhos, a acariciá-la. Pensamos menos nos outros contatos corporais também importantes, senão mais, que são os contatos do adulto com o bebê para realizar os cuidados.

ConclusâO
A propagação de métodos mais suaves no que concerne ao nascimento, ao parto, às tentativas para ajudar a comunicação primária entre a mãe e seu recém-nascido são iniciativas felizes. Mas se o que acontece à criança durante e imediatamente depois do nascimento é importante, aquilo que ela vive em seguida não é menos importante.
40 Se durante os cuidados com bebês, os gestos do adulto não são adequados e cheios de ternura, se forem indiferentes, rápidos e funcionais, se as  mãos do adulto que pega, carrega a criança não lhe dão um sentimento de segurança, mas trazem logo angústia e insegurança, todos os conhecimentos técnicos e toda a destreza profissional não impedirão a criança de viver esse contato com desprazer. Os cuidados e o contato corporal constituirão para ela não uma fonte de alegria, mas sim de angústia e de insegurança. Isso não é sem conseqüências para um bebê que se desenvolve no campo da família, mas ganha importância particular dentro das coletividades, creches, enfermarias, hospitais, abrigos, onde há menos possibilidades de compensação que dentro de uma família.
41 Se um adulto quer precipitar, acelerar a refeição, a troca, o vestir ou o banho, a criança não somente sentirá o caráter fisicamente desagradável dos gestos rápidos, bruscos e mecânicos, mas também o tempo que ela passa com o adulto não dará nenhum prazer, a nenhum dos parceiros.
42 Por  suas experiências ao longo dos primeiros meses e anos da vida, a jovem criança constrói a imagem de seu corpo, que pode influenciar profundamente seu futuro. Sua personalidade, a imagem que tem de si mesma, o desenvolvimento de sua auto-estima, a integração de seu papel sexual, e mais tarde de seu comportamento de adulto e de pais, serão influenciados pelos cuidados que recebeu durante a infância. Cada carência, mesmo episódica, dentro dos cuidados, provoca uma interrupção do sentimento de continuidade de ser, e por conseqüência, por um enfraquecimento do “eu”. É a qualidade dos cuidados, de seu caráter agradável ou desagradável , do prazer e do desprazer experimentado pela criança e pelo adulto que se ocupa de seu corpo, que dependerá a percepção de seu próprio corpo, de suas funções e das experiências que irão se incorporar.
43 Se o objetivo do adulto é a cooperação com a criança, ele permite a ela ter experiências de mutualidade, elaborá-las , o que contribui para a construção e ao fortalecimento de si mesma. Esses cuidados de boa qualidade conduzem a criança ao que podemos chamar de um “estado de unidade”, a criança torna-se uma pessoa, um indivíduo. Segundo Winnicott, esse “estado de unidade” favorece a emergência do seu sentimento de existência psicossomática e a engaja em um desenvolvimento pessoal único.

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